Os veículos de aplicativo revolucionaram a forma que nos locomovemos pelas cidades e, por tabela, também as nossas viagens. Neste artigo, falamos sobre a ascensão e decadência do transporte de aplicativo no Brasil e como programar nossas viagens sem contar com essa modalidade.
Surgimento e Ascenção do Uber
Em 2014, o Uber foi a primeira plataforma no Brasil (a startup surgiu nos EUA em 2009) a oferecer um transporte com conforto, segurança e preços razoáveis. Nessa época, esse serviço privado estava disponível em poucas cidades e predominava a categoria Black. Eram carros com excelente qualidade, motoristas educados e bem vestidos sendo a maioria oriunda do transporte executivo.
Quem se utilizava do serviço se encantava, ainda, com os mimos oferecidos pelos motoristas (água mineral, balinhas etc). Muitas vezes, o motorista abria a porta para o passageiro. Enfim, era um serviço VIP muito superior ao prestado pelos taxistas, além de ser mais barato. Em cidades com transporte público deficiente, a experiência logo caiu no gosto dos usuários.
De fato, havia muita insatisfação com o serviço de táxi, o transporte privado exercido de forma monopolística nas cidades.
Nalgumas vezes, a insatisfação devia-se em razão da conduta do motorista: direção perigosa, ausência de troco, trajetos mais longos, desconhecimento do local ou do trajeto, cobranças abusivas, tratamento desrespeitoso com o cliente e recusa de viagem.
Noutras, ao próprio regime de permissão pública, que tornava os preços das corridas muito elevados (bandeira 2, adicional de bagagem etc.).
Ocorre que não havia mecanismos eficazes para o usuário reclamar das condutas irregulares dos taxistas e as prefeituras costumavam ser um tanto lenientes ao coibirem essas irregularidades. Isso sem falar que, em muitos municípios, a categoria é um forte grupo de pressão para defesa de seus interesses junto às autoridades locais.
Eu mesmo tive muitos problemas com taxistas, no Brasil e no exterior. Obviamente, não é possível generalizar, pois há muitos profissionais sérios e corretos, mas o usuário não sabe identificar quem é quem (assimetria de informação). Além disso, a imagem do serviço de táxi estava muito comprometida.
Aplicativos ocupam o mercado
Não é de se estranhar que os usuários de táxi rapidamente migraram para os aplicativos de transporte, especialmente para o Uber, considerando que:
- a avaliação constante do motorista assegurava a qualidade do serviço, pois a empresa tinha uma rígida política de excluir da plataforma aqueles que tivessem notas baixas e condutas irregulares.
- corrigia-se, também, a assimetria de informação, pois o usuário sabia a avaliação do motorista e o motorista sabia da avaliação do passageiro.
- o usuário indicava precisamente o ponto de partida e o ponto de chegada e o trajeto era otimizado, seguindo as orientações dos aplicativos Waze ou Google Maps. Ademais, era disponibilizado um chat ou telefone para facilitar o contato entre motorista e passageiro.
- os preços eram mais baratos que os dos táxis. Inicialmente, não eram fixados a priori, mas, logo as plataformas permitiram que os passageiros soubessem o quanto iriam pagar antes de solicitar a corrida.
- a solução de problemas era feita de forma automatizada. Era o caso, por exemplo, da correção de preços, caso o motorista tomasse um caminho mais longo que o necessário.
Surgiram, ainda, categorias mais baratas (Uber X, Cabify e 99) com a mesma filosofia, oferecendo opções ainda mais em conta aos usuários.
É verdade que a qualidade do serviço caiu e que o padrão Uber Black de 2014/15 não existe mais. Mesmo assim, os aplicativos passaram a receber ainda mais passageiros, reduzindo a demanda por corridas de táxi e, até mesmo, pela utilização do transporte público.
Com a crise econômica e o aumento do desemprego, a partir de 2015, muitos trabalhadores passaram a atuar como motoristas. Às vezes, em tempo parcial, como forma de complementar a renda.
Esses dois fatores impulsionaram essa modalidade de transporte no Brasil, ocasionando conflitos violentos com os permissionários de taxi. Os principais questionamentos da categoria dos taxistas diziam respeito à concorrência desleal, à falta de regulamentação e à falta de controle dos veículos, colocando em risco a segurança do passageiro.
Muitos municípios passaram a regular de forma restrita ou até a proibir a atividade, mas, sem sucesso. Enquanto isso, os aplicativos continuavam a atuar ‘ilegalmente’ e a ganhar mercado.
Os Tribunais consideravam inconstitucional a proibição ou a restrição da atividade de transporte individual por violação aos princípios da livre iniciativa e da livre concorrência (fonte: Conjur).
Os conflitos só terminaram com a Lei Federal 13.640/2018 que regulamentou o transporte remunerado privado de passageiros, exigindo dos motoristas uma série de requisitos, além de facultar aos municípios a edição de normas para garantir a eficiência, a eficácia, a segurança e a efetividade na prestação do serviço.
Parecia, então, que o transporte por aplicativo estava consolidado no Brasil. Ficou viável e econômico utilizar os apps nos nossos deslocamentos do dia a dia, para ir a eventos, bares, trabalho etc. Alguns, como eu, desistiram até de ter carro próprio.
Isso também aconteceu nas viagens. Muitos de nós usamos o Uber ou 99 para ir aos aeroportos, visitar as atrações ou até para fazer pequenos trajetos interurbanos. Esses aplicativos conferem grande autonomia e mobilidade aos viajantes. Exemplificando, em Florianópolis, fizemos um roteiro pelas praias do litoral sul utilizando somente o Uber.
Seria o fim dos aplicativos de transporte?
Esse cenário começou a mudar com a pandemia. Inicialmente, com as medidas de isolamento social, a demanda diminuiu (leia aqui), fazendo com que muitos motoristas se afastassem das ruas. Aqueles motoristas que ainda trabalhavam passaram a cumprir menos horas. Ou seja, a demanda diminuiu e a oferta também.
À medida que as coisas voltavam ao normal, outro problema emergiu: a alta do preço dos combustíveis. Apenas em 2021, a gasolina já subiu 28% nas bombas e ainda deve subir mais. Em alguns estados, o preço do litro chegou a R$ 7,00. O etanol, por sua vez, subiu em torno de 35%. Essa alta corroeu a renda dos motoristas de aplicativo. Segundo alguns me disseram, estavam pagando para trabalhar.
As plataformas, por sua vez, não fazem o repasse dos aumentos para as tarifas dos aplicativos. Em verdade, a reclamação é que as tarifas estão congeladas desde 2015. Na minha opinião, trata-se de um equívoco, pois muitos usuários estariam dispostos a pagar um pouco a mais para fazer o seu translado.
Para atenuar essas dificuldades, as plataformas têm adotado medidas meramente paliativas e, cada vez mais, os motoristas têm desistido de atuar nessa modalidade de transporte. Segundo a Associação dos Motoristas de Aplicativos de São Paulo (AMASP), desde 2020, 25% dos parceiros desistiram dessa atividade – passaram de 120 mil para 90 mil cadastrados na cidade de São Paulo.
O resultado é que está cada vez mais difícil para o usuário fazer corridas por aplicativos. Espera-se muito tempo para conseguir alguém que as aceite e o usuário se sujeita a cancelamentos sucessivos. Ou seja, se você tem horário marcado, seu compromisso pode acabar frustrado. Ou seja, o transporte por aplicativo deixou de ser confiável.
Observei isso em Campinas/SP, no final de 2020, e, recentemente, em outras cidades do interior de São Paulo e de Pernambuco. Nas capitais, o problema também ocorre, mas, aparentemente, tem menor gravidade.
Seguidores do perfil @classeturista no Instagram reportaram cancelamentos de viagens do Uber em São Caetano do Sul, São Carlos, Sorocaba, Maringá, Belo Horizonte, Uberlândia, Rio de Janeiro e Fortaleza.
Os motoristas passaram a selecionar as suas viagens. Muitos utilizam veículos alugados e precisam cobrir os custos de combustíveis e também de locação, que, por sinal, também aumentaram.
Conversando com os motoristas, notamos que muitos são novos na plataforma. Os mais antigos já desistiram ou estão em vias de desistir da atividade. Em suma, a manutenção dessa atividade depende de um afluxo constante de novos motoristas, em detrimento da qualidade do serviço. Por sua vez, o serviço ruim vem provocando o aumento da demanda de táxis (leia aqui, aqui e aqui).
Esse cenário indica o fim dos aplicativos de transporte no Brasil? Ainda não é possível afirmar que sim. Espera-se, ao final, que haja uma reação das empresas, mas, se estas demorarem muito, poderão ter sua imagem severamente comprometida perante os usuários brasileiros. Por outro lado, uma possível retomada da economia deixaria a atividade menos atrativa para muitos trabalhadores.
Planejando viagens sem Uber ou 99
Esse cenário de escassez de motoristas e de cancelamento das corridas, com certeza, vai modificar o nosso jeito de viajar dentro do Brasil.
1. Não conte (sempre) com os aplicativos
Não dá para contar (sempre) com os aplicativos em nossos trajetos urbanos ou interurbanos. Eventualmente, até conseguimos fazer o percurso a uma ou outra atração turística, mas… – quem garante a volta? Se você tiver horário marcado, terá que sair com antecedência.
2. Hospede-se próximo às atrações
O ideal é hospedar-se próximo às atrações turísticas, pois, em último caso, você segue caminhando até elas. No atual cenário, escolher uma hospedagem barata na periferia, longe de tudo, pode inviabilizar a sua viagem.
Uma alternativa é ficar próximo a estações de metrô, onde houver, ou a corredores de ônibus que facilitem o seu deslocamento. Que tal retornar ao transporte público?
3. Contrate um motorista “por fora”
Se o percurso tiver várias paradas, considere contratar um motorista para fazer todo o roteiro. Fizemos isso, recentemente, em Bento Gonçalves, em Vitória e em Porto de Galinhas. Os preços foram bem razoáveis e pudemos aproveitar com tranquilidade todas as atrações.
Para o motorista, também pode ser vantajoso, pois, mesmo que ele cobre a tarifa do Uber/99, não terá o desconto da comissão da plataforma. Só recomendo que procure indicações.
4. Tenha o contato de cooperativas de Taxi
Tenha sempre o telefone de cooperativas de táxi. Em algumas cidades (p. ex. Brasília), há cooperativas oferecem desconto de 30% nas corridas, tornando o deslocamento muito mais em conta. Ademais, você tem a quem fazer sua reclamação, caso não goste do serviço prestado.
5. Utilize aplicativos de Taxi
Em algumas cidades, foram criados também aplicativos próprios para taxistas. Em Brasília, existe o Táxi Legal, com preço e filosofia semelhantes ao Uber. Em regra, esses aplicativos e os telefones são específicos para cada cidade.
Há, entretanto, o aplicativo Vá de Táxi que tem cobertura em muitas cidades brasileiras, com descontos que variam de 10% a 40%.
6. Utilize outras categorias no Uber/99
Se, ainda assim, você quiser utilizar os aplicativos e tiver dificuldade em encontrar veículos, considere utilizar outras categorias tais como Uber Black, Uber Comfort, 99 Comfort etc. Não foram poucas as vezes que solicitei o Uber Black, pois estava mais barato que o Uber X (possivelmente em razão da tarifa dinâmica).
7. Ofereça gorjeta para evitar cancelamento
Considere, ainda, oferecer uma gorjeta para o motorista, evitando que ele cancele a corrida. Ficar próximo a locais onde se concentram os motoristas também pode ajudá-lo a conseguir uma corrida, pois, uma das queixas frequentes é o grande deslocamento para atender os passageiros.
*Foto de Capa: Pexels/Freestocks.org