Resenha: ‘Onde Morrem os Aviões’, de Lito Sousa (A&M)

Resenha: 'Onde Morrem os Aviões', de Lito Sousa (A&M) 1

Hoje, inauguramos mais uma coluna do blog: Viajando com os Livros. E o primeiro livro escolhido chama-se “Onde morrem os aviões – a experiência de vivenciar os limites de um avião”, de Lito Souza. Se você é um entusiasta da aviação, certamente, já ouviu falar dele!

A ideia desta coluna é trazer resenha de livros que ofereçam ao viajante uma maior compreensão do mundo em que vivemos, seus destinos, seus diferentes povos, suas culturas, além de experiências de viagens e, por que não, de aviação, o meio de transporte fundamental para viajar. Além disso, em tempos de pandemia, em que as viagens estão restritas, nada melhor que “viajar” com os livros. Tudo isso procurando não dar “spoiler“. Vamos ao livro de hoje!

Sobre o Autor

Começo pelo autor. Joselito Geraldo de Sousa, conhecido como Lito Sousa ou simplesmente Lito, é editor de um dos mais famosos, senão o mais famoso, canal de aviação no YouTube em língua portuguesa – Aviões & Músicas. O canal tem o propósito de descomplicar a aviação, traduzindo de forma simples os conceitos aeronáuticos . Já conta com mais de 1 milhão de inscritos e, em razão dele, o autor já participou de diversos programas de TV e de rádio.

Com mais de 35 anos de experiência em manutenção de aeronaves, Lito formou-se técnico na antiga escola Ala 435, localizada ao lado da Base Aérea de Santos, em Vicente de Carvalho, no Guarujá/SP. Começou sua carreira trabalhando na antiga Varig e hoje atua como supervisor de manutenção da United Airlines em Guarulhos (GRU). Nesse interim, teve uma experiência de trabalho na África, no antigo Zaire, atual República Democrática do Congo.

Sobre a História

E a história contada no livro “Onde Moram os Aviões” trata justamente desta última experiência.

Varig Lockheed L-188A Electra: a aeronave da obra Onde moram os Aviões
Varig Lockheed L-188A Electra (créditos: Aero Icarus/Flickr CC BY-NC-SA 2.0)

Em 1991, após 25 anos de operação na ponte aérea Rio – São Paulo, os aviões Lockheed L-188 Electra foram substituídos por aeronaves com motores a jato, no caso, o Boeing 737. As aeronaves foram retiradas de uso e conservadas no pátio de Congonhas.

  • Lito aponta que houve um grande lobby junto ao Departamento de Aviação Civil (DAC), tanto das concorrentes da Varig (Vasp, TAM e Transbrasil), quanto da Boeing, para a substituição dos Electras. A propósito, é impressionante o fascínio que esta aeronave traz no autor e em outros entusiastas de aviação. Sinceramente, não entendo direito. Talvez seja porque o Electra foi um dos aviões mais seguros da história – após 25 anos operando do Brasil, houve apenas 3 acidentes, todos sem vítimas fatais.

Em 1993, após dois anos parados, os Electra tiveram uma nova chance de voar, na África. Lito foi, então, contratado pela Blue Airlines, do Zaire, para acompanhar a operação da aeronave e dar treinamento aos mecânicos da companhia aérea. Obviamente, ganhando muito mais.

E a narrativa se desenrola a partir daí, sendo que a experiência do autor no Zaire serve de pano de fundo para tratar do tema da segurança aérea. De fato, Lito vai apresentando situações em que a segurança das operações estava severamente comprometida.

“Na aviação, o mecânico tem que fazer tudo com mais responsabilidade e atenção, porque lá em cima não tem acostamento”, dizia o Sargento Gonçalves, professor do Lito na escola.

A segurança aérea, de fato, é uma mentalidade: uma obrigação de todos aqueles que participam do transporte aéreo, desde os que trabalham na manutenção até os tripulantes, os controladores de voo e passageiros. A segurança deve prevalecer mesmo sob a pressão dos superiores hierárquicos. As normas de aviação, inclusive os manuais do fabricante, devem ser cumpridas de forma estrita. Não pode ter “jeitinho” para fazer o avião voar.

Lito fala que, na África, viveu os limites do avião. Aqui cabe uma explicação. Nos manuais dos fabricantes, os engenheiros estabelecem limites enormes de segurança, muito acima da realidade operacional. Em razão de as operações aéreas no Zaire não seguirem os manuais, Lito estaria a vivenciar quais seriam, de fato, os limites da aeronave.

Ao longo do texto, são apresentadas diversas situações em que o autor expõe os seus sentimentos, suas ansiedades e conflitos internos, desde as viagens ao continente africano até as operações aéreas no Zaire. O aprendizado de segurança na Varig entra em conflito com as práticas locais.

Além da segurança aérea, também destaca-se no livro a paixão pela aviação. Essa paixão manifesta-se , no livro, através da personificação dos aviões. Isso mesmo, os aviões são tratados como pessoas. Cada um tem nome, data de nascimento e aposentadoria. Às vezes, pode-se trocar de nome, quando se muda de país ou de companhia aérea. Cada aeronave tem uma “alma”, ou seja, um histórico próprio de problemas, que só os mecânicos sabem. O avião também pode hibernar, descansando em um pátio de um aeroporto, até que alguém resolva acordá-lo. E o avião também morre, sendo, muitas vezes, doador de órgãos para aqueles que estão “vivos”. No jargão aeronáutico, isso se chama “canibalização”.

Leitura Fácil e Interessante

O livro Onde Morrem os Aviões não é apenas para quem gosta de aviação, mas para todo usuário do transporte aéreo. A leitura é fácil e interessante. Confesso que li as 140 páginas num único dia. O texto narrativo-descritivo vem acompanhado de 40 fotografias que ajudam a ilustrar a história. Lito não abusa dos termos técnicos. Quando seu uso é necessário, há uma explicação sintética nas notas de rodapé.

  • A propósito, o lançamento do livro foi um sucesso e aconteceu em dezembro de 2018 numa cervejaria na Avenida Brás Leme, ao lado do Campo de Marte. Filas imensas para obter autógrafos.

Crítica

Mas, o livro não é isento de críticas. Na história, notei que o desfecho foi muito rápido. Talvez seja porque a leitura é muito fácil. Quem sabe? Nesse caso, seria uma qualidade e não um ponto negativo.

Há, ainda, uma sobrevalorização da experiência do autor na África, mesmo tendo ficado apenas 2 meses por lá. Devemos reconhecer, entretanto, que foi um período vivido de forma intensa e focado na aviação, mas 2 meses parece pouco para tamanho aprendizado.

Senti, também, falta de mais páginas sobre seu treinamento na Varig, para que eu pudesse confrontar com as práticas ocorridas no Zaire. Senti, ainda, falta de que ele falasse mais sobre onde morrem os aviões, ou seja, como é o fim da vida das aeronaves e os cemitérios de aviões. O título do livro, dessa forma, não corresponde 100% à narrativa.

Sob o aspecto formal, vale uma pequena observação. Na edição feita pelo próprio autor, faltou utilizar o modo justificado nos parágrafos, mas isso não atrapalhou a leitura.

De qualquer forma, vale a leitura. Para os viajantes, o livro Onde Morrem os Aviões, ilustra que a aviação, para ser segura, exige o cumprimento rigoroso das regras por todos os envolvidos, inclusive, por quem é passageiro. Também mostra o quão tranquila são as nossas viagens de hoje em dia. Além disso, o livro é também uma história de paixão! Quem sabe a gente não traz essas lições da aviação para outros campos da nossa vida?

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