Visitar Kiev, a capital da Ucrânia, foi uma experiência surpreendente. A cidade nunca foi um destino turístico muito visitado pelos brasileiros, mas, até pouco tempo, merecia estar nos seus roteiros de viagem: encantadora, barata e com belas atrações. Infelizmente, com a recente invasão do país pela Rússia, essa é mais uma viagem que ficou no passado. As boas lembranças de Kiev, eu relato a seguir.
Em 2018, passei 3 dias inteiros na capital ucraniana. Esperava ver, principalmente, aquelas cúpulas douradas das igrejas ortodoxas e os afrescos no interior das catedrais. Não me decepcionei. Arrependi-me de não ter ficado mais tempo!
Visitei-a em novembro. Fazia muito frio. Chovia pouco e a temperatura ficava em torno de 0 a 5°C. Nevava bastante. Era difícil ficar por muito tempo exposto na rua. Eu sempre acabava tendo que me abrigar em uma loja ou restaurante.
O momento era tenso. No dia anterior à minha chegada, três barcos militares ucranianos haviam sido apreendidos pela marinha russa no estreito de Kerch, entre a Criméia e a Rússia. Um protesto pacífico contra a Rússia acontecia em frente ao Monumento à Independência.
A propósito, quem vai a Kiev observa muitas semelhanças com Moscou, na Rússia: a arquitetura soviética, as igrejas, as estações profundas de metrô, as passagens subterrâneas e o alfabeto cirílico.
A Ucrânia era um país que parecia viver num dilema: queria voltar-se para o ocidente, mas não conseguia desgarrar-se da Mãe Rússia.
1. Um país com duas independências
A Ucrânia é um país que teve duas “independências”. A primeira foi em 1917, do Império Russo. No ano seguinte, entretanto, o país foi dominado pelos bolcheviques e passou a fazer parte da URSS. A partir de então, foi chamada de República Socialista da Ucrânia.
A segunda independência ocorreu em 1991, com o colapso da União Soviética. A independência é celebrada no dia 24 de agosto de 1991.
2. Língua
Na Ucrânia, falam-se duas línguas: o ucraniano e o russo. Ambas utilizam o alfabeto cirílico com algumas variações entre as línguas. Por exemplo, Kiev em russo escreve-se Киев (Kiev) e em ucraniano Київ (Kyiv).
Em outubro de 2018, o Ministério das Relações Exteriores da Ucrânia lançou uma campanha #KyivNotKiev para estimular a utilização da grafia local do nome da capital.
No passado, algumas partes do território atual da Ucrânia integraram o Império Austro-húngaro e outras partes integraram o Império Russo. Em razão disso, pode-se esperar que em determinadas regiões do país o russo seja a língua predominante (nativa) e, em outras, o ucraniano.
Houve períodos em que a União Soviética tentou impor o russo para todas as repúblicas (russificação). Mas, após a independência, aconteceu justamente o oposto: tentou-se impor o ucraniano como língua nacional. A tentativa não prosperou e o fato é que boa parte dos ucranianos fala as duas línguas.
Nem todo mundo fala inglês e, em muitas atrações, as informações são fornecidas apenas nas línguas locais. Apesar da barreira linguística, as pessoas, em geral, são muito simpáticas.
3. Ingressando no país
Cheguei num voo da Austrian Airlines a partir de Paris (CDG) com conexão em Viena (VIE). Comprei a passagem por 15.000 pontos Lifemiles. Os voos diretos partindo da capital francesa saiam mais caros. Não havia voos diretos do Brasil para a Ucrânia.
São dois os principais aeroportos de Kiev: o Boryspil (KBP), mais afastado da região central da cidade, e o Zhulyany (IEV), mais próximo do centro.
O aeroporto IEV era utilizado por companhias low-cost como a WizzAir, enquanto o KBP, principalmente, por legacy airlines tais como, Austrian Airlines, Ukraine International e Lufthansa. Nas demais cidades, ocorre justamente o contrário: viajantes low-cost têm que se deslocar para aeroportos mais distantes.
Brasileiros e portugueses não precisam de visto de turismo para a Ucrânia. A isenção de visto permite permanecer no país por 90 dias num período de 180 dias.
A imigração foi tranquila e sem muitas filas. A oficial de imigração foi muito simpática.
Como cheguei de madrugada em Kiev e já considerando a barreira da língua, acabei pedindo um transfer do hotel. Custou 650 UAH (Grívnia ucraniano), em torno de 100 reais na época. O motorista ficou me aguardando no desembarque do aeroporto. Muito paciente, ele me aguardou sacar dinheiro no aeroporto.
4. Hospedagem
Hospedei-me no Ibis Kiev Railway Station, um hotel acima do padrão normal da rede Ibis. Era bonito, moderno e bem decorado. O quarto tinha equipamentos que não costumam ser encontrados em hotéis da rede, tais como, cofre e frigobar. O wifi era de excelente qualidade.
A localização era muito boa. Ficava próximo à estação de trem de Kiev. Ao lado, encontra-se a estação Volkzana do metrô e, após três paradas, eu podia chegar nas proximidades da Praça da Independência, região central de Kiev.
5. Metrô
O metrô de Kiev é bom e barato. Possui várias linhas que dão acesso à boa parte da cidade.
O estilo das estações é semelhante aos das estações de Moscou ou de São Petersburgo. Imensas escadas rolantes levam aos trens. Outra semelhança é a ausência de bloqueios na saída. Ao descer do trem imensas escadas rolantes, em um único sentido, dão acesso à saída, sendo impossível alguém descer por ali sem pagar o ticket.
A estação Arsenalna é considerada a estação mais subterrânea (profunda) do mundo.
6. Uma cidade barata
Kiev era uma cidade barata em relação às demais capitais europeias. Surpreendi-me com os preços dos serviços (transporte, alimentação, hospedagem e ingressos para as atrações) que eram bem mais em conta que nos destinos da Europa ocidental.
7. Passagens Subterrâneas
Outra coisa que chamou bastante minha atenção em Kiev foram as passagens subterrâneas. Em algumas delas, havia pequenos estabelecimentos vendendo de tudo. Em algumas avenidas de Kiev, você nem tem como atravessar por cima.
Vejo pelo lado positivo: passava menos frio!
8. Café
Os habitantes de Kiev são “coffee lovers”. Eram muitos os quiosques de café espalhados pela cidade.
O da foto a seguir se superou: um ônibus de dois andares, todo decorado, foi transformado num Coffeeshop.
9. Monumentos, Estátuas e Memoriais
Caminhando por Kiev me deparei com inúmeros monumentos, estátuas e memoriais.
Os que mais me chamaram a atenção foram os dois dedicados às vítimas do Holomodor (1932-1933), o genocídio ucraniano. Nesse período, milhões de ucranianos morreram de fome em virtude da política de requisição compulsória e de coletivização forçada de Stalin, que obrigava os camponeses a fornecer parte da produção de cereais ao regime soviético.
Um deles fica próximo às margens do Rio Dniepre e contempla também um museu. O outro está ao lado do Mosteiro de São Miguel das Cúpulas Douradas (foto acima).
Há também monumentos mais alegres como o dedicado aos personagens do filme “After Two hares” (ou Chasing Two Hares). Trata-se de uma comédia produzida na Ucrânia em 1961 que caiu no gosto popular. O protagonista do filme é um homem frívolo que promete se casar com duas mulheres simultaneamente e, em razão disso, se envolve em várias situações engraçadas. O monumento está localizado nas proximidades da St. Andrew’s Church (Igreja de Santo André). Turistas costumam tirar fotos juntos à estátua.
Se quiser assistir ao filme (em ucraniano com legendas em inglês), clique aqui.
10. Arte nas paredes dos Edifícios
Caminhando por Kiev também me deparei com belíssimas pinturas nos prédios da cidade.
Esse mural acima tem o nome de Renascimento e é o mural mais famoso de Kiev. Ele foi pintado em 2014, após os eventos revolucionários, num prédio de cinco andares na Andriyivskyy Descent (uma rua que desce partindo da Igreja de St. André). Retrata uma nova Ucrânia, despertada após um longo sono e encarnada no rosto de uma jovem que está protegendo sua terra e uma nova geração (fonte: Culture Trip).
11. Música Ucraniana
Para quem gosta de conhecer músicas estrangeiras, recomendo a banda Tarkat, de hip hop ucraniano, e a banda Lama, de pop/rock. Conheci ambas as bandas em Kiev, usando meu aplicativo Shazam.
Uma música muito famosa da banda Tarkat chama-se “Stilnykove Kohannia”. Da banda Lama, recomendo ouvir “Meni tak treba”. Não sei o que significa!
12. Atrações
Kiev fica às margens do Rio Dniepre. Boa parte da cidade fica numa parte mais alta em relação às margens do rio. A maior parte das atrações fica na parte alta, mas também são encontrados pontos de interesse na parte baixa. Funiculares ligam uma à outra.
Dentre as atrações, destacam-se os sítios religiosos. O principal, sem dúvida, é o Mosteiro de Kiev-Petchersk, o complexo religioso mais antigo da Ucrânia e considerado Patrimônio Mundial pela Unesco. É belíssimo! Merecem destaque as covas dos monges que são abertas à visitação.
Outros sítios religiosos são a Catedral de St. Sophia, a Igreja de Santo André (St. Andrew’s Church) e o Mosteiro de São Miguel das Cúpulas Douradas. Para visitar esse último não é necessário pagar ingresso.
Dentre os museus que visitei, o melhor foi o Museu Nacional de Chernobyl, localizado na parte baixa de Kiev.
Ele retrata os dramas humanos decorrentes do maior acidente nuclear da história, ocorrido em 25 de abril de 1986. Está situado numa antiga instalação do Corpo de Bombeiros, de onde partiram muitos dos profissionais que atenderam o acidente. Visitar o museu era uma opção para aqueles que, como eu, não queria fazer uma excursão à Zona de Exclusão em torno da usina nuclear.
Outro museu que conheci foi o State Aviation Museum, nas proximidades do Aeroporto IEV. É um dos maiores museus dedicados à aviação da era soviética. Estão expostas 70 aeronaves tais como: caças, aeronaves de carga e de passageiros e helicópteros. Fiquei impressionado com o tamanho de alguns caças como o Tupolev Ty-22.
Havia muitas outras atrações a serem visitadas: parques, monumentos, museus e algumas excursões. Sinceramente, 3 dias inteiros foram insuficientes!
13. Comida
O prato típico mais famoso da Ucrânia é a Sopa Borsch. Provei-a no hotel. É uma sopa à base de beterraba que pode também conter outros ingredientes como repolho, cenoura, pepino e batata. É boa, mas não foi o meu prato predileto.
Em Kiev, conheci um dos pratos mais deliciosos que já provei: o Khachapuri, uma espécie de pizza recheada ou pastel em formato de pizza recheado. Não é um prato ucraniano, mas da Geórgia. Fica ainda mais delicioso se acompanhado de uma taça de vinho georgiano Saperavi.
Por várias vezes, comi desse prato no restaurante georgiano Khachapuri & Wine que fica próximo à Praça da Independência, em Kiev.
Conclusão
Foi muito bom conhecer Kiev. Mesmo no inverno, encantei-me com a cidade, com os seus monumentos, com os domos dourados das catedrais e com as pessoas. Na verdade, a neve tornava as paisagens ainda mais bonitas. Três dias foram insuficientes para conhecer Kiev.
Espero um dia poder voltar e conhecer também outras cidades ucranianas. É muito triste saber que um povo incrível que já sofreu tanto no Holomodor, na II Guerra Mundial e no acidente de Chernobyl, volte a sofrer, apenas por lutar pela sua própria identidade…