O War Remnants Museum (Museu dos Vestígios da Guerra) é uma das principais atrações de Ho Chi Minh City, juntamente com o Palácio da Reunificação. O Museu contém exibições permanentes e temporárias relacionadas à Primeira Guerra da Indochina (1946 – 1954) e, principalmente, à Guerra do Vietnã (1955 – 1975).
Emocionante! Chocante! Um soco no estomago! Essas são algumas palavras usadas pelos visitantes para descrever o War Remnants Museum. Isso porque, em síntese, o museu destaca o sofrimento das pessoas em tempos de guerra, em especial, o decorrente da prática de tortura e utilização de agentes químicos e incendiários (napalm) pelos americanos durante a Guerra do Vietnã. As imagens são muito tristes.
Sem dúvida, é um espaço de reflexão sobre a guerra, sobre as intervenções militares, sobre a mentira utilizada como propaganda. Acima de tudo, é um museu sobre o ser humano.
A visita é obrigatória!
Sobre o War Remnants Museum
O War Remnants Museum foi criado em 1975 logo após a queda de Saigon. Originalmente, recebeu o nome de “Exhibition House for US and Puppet Crimes” e instalado na antiga Agência de Informações dos Estados Unidos (USIA).
Conforme destaca a Professora Christine Schwenkel, ao longo do tempo, o museu sofreu uma metamorfose que espelha as alterações nas relações econômicas e políticas estabelecidas com outros países.
De fato, no final dos anos 1970, durante os conflitos com o Camboja e com a China, o museu teve seu nome alterado para “Exhibition House for Crimes of War and Aggression”, acrescentando exposições relativas às atrocidades cometidas por estes países (Schwenkel, 2008).
Essas exposições foram gradualmente sendo desmanteladas e, em 1991, quando as relações com a China se normalizaram, a seção sobre as hostilidades chinesas foi fechada (Schwenkel, 2008).
Com a normalização das relações com os Estados Unidos (1995) e o fim do embargo americano no ano anterior, o museu passou a se chamar “War Remnants Museum”.
Importante lembrar que, após a Guerra do Vietnã, os Estados Unidos cortaram os laços diplomáticos com o país e impuseram um embargo comercial que durou 19 anos, tendo sido levantado (encerrado) na Administração Bill Clinton (1994) com o estabelecimento de uma cooperação para localização dos restos mortais de 2.238 americanos desaparecidos.
John McCain, ex-senador americano, está dentre aqueles que advogaram pelo fim do embargo ao Vietnã. McCain foi aviador durante a Guerra do Vietnã. Numa das missões, foi atingido por um míssil, ejetou-se e caiu num lago em Hanoi. Foi prisioneiro de guerra durante 5 anos (1967 – 1973), na famosa Prisão Hoa Lu, onde foi torturado pelos vietnamitas do norte. Em 2003-2005, senador à época, se opôs às práticas de tortura e detenção arbitrárias cometidas pela Administração Bush na sua Guerra ao Terror. Em 2018, faleceu de câncer no cérebro. Um dos seus últimos pedidos foi que o Presidente Trump não comparecesse ao seu funeral. |
Hoje em dia, o museu é gerido pelo Departamento de Cultura, Esporte e Turismo de Ho Chi Minh City.
Além das exposições, temporárias e permanentes, o museu conta com outras atividades, tais como: entrevistas com testemunhas da guerra, premiação das vítimas de guerra e a pesquisa e coleta de evidências sobre os crimes. Realiza, ainda, atividades culinárias com pratos típicos da época da Guerra: tapioca (que para nós é a mandioca), Bánh tét (um bolo salgado feito de arroz) e Banh Vung.
O War Remnants Museum não é rigorosamente um museu de história da Guerra do Vietnã, mas um museu focado nos crimes de guerra contra os vietnamitas. Conta com mais de 20 mil documentos, artefatos e filmes, sendo 1.500 deles usados nas exposições permanentes. As legendas estão em inglês e no idioma vietnamita.
Atualmente, o museu recebe 500 mil visitantes por ano, sendo, pelo menos, 2/3 estrangeiros. É considerado um dos 5 mais fascinantes museus da Ásia.
Uma visão vietnamita da história
Ao visitar o War Remnants Museum, não espere encontrar um museu isento e imparcial. A primeira evidência disso é a utilização de termos como “Verdades Históricas” (Historical Truths) ou de “Regime Fantoche” (Puppet Regime) para designar o Vietnã do Sul. O viés antiamericano também é patente.
Os críticos do museu sustentam que ele é um instrumento de propaganda governamental. De fato, a seleção de fatos e a interpretação de eventos é feita segundo a ótima do Governo do Vietnã. Ademais, o museu foi alterando o seu perfil à medida em que houve mudança nas relações políticas e econômicas com outras nações, conforme observamos acima.
Além disso, na guerra, a primeira vítima é a verdade.
O fato é que houve violações de direitos humanos por todas as partes envolvidas (vide, por exemplo, o que aconteceu com o Senador John McCain), bem como violações nos acordos firmados, inclusive, quanto à neutralidade dos países vizinhos (Camboja e Laos). Ademais, convém lembrar que, quando da Queda de Saigon, houve uma fuga em massa de 2 milhões de sul-vietnamitas. Os que ficaram e não conseguiram escapar foram levados a Campos de Reeducação. Esses fatos não são representados no museu.
Isso tudo, entretanto, não retira o mérito do museu. Ainda que eventualmente exagerados, os fatos lá descritos contam com fortes evidências e conferem ao visitante a possibilidade de conhecer uma outra perspectiva da história que não aquela retratada pelos filmes de Silvester Stallone. Definitivamente, os americanos e seus aliados não estavam lá para defender a liberdade do povo vietnamita, mas para frear o avanço do comunismo no sudeste asiático.
Em verdade, o museu dá oportunidade aos americanos (e aos outros povos) de fazer uma pausa para reflexão sobre as consequências da guerra. E vou além: para refletir sobre os efeitos das intervenções militares unilaterais (especialmente as das potências hegemônicas) que não encontram respaldo na Carta das Nações Unidas. E mais: cabe uma reflexão sobre o próprio colonialismo no século XX. É bem provável que nada disso tivesse acontecido se, após a Segunda Guerra Mundial, o Vietnã tivesse um governo independente.
O fato é que as lições do passado não deveriam ser esquecidas, inclusive, as mentiras utilizadas para justificar e manter as guerras. A Guerra do Iraque (2003), nesse sentido, é um exemplo: quem não conhece a sua história está condenado a repeti-la.
Estrutura e Acervo do Museu
O museu é composto por um edifício de 3 pisos e uma área externa com uma exposição de aeronaves, tanques e outros equipamentos militares e outra exposição sobre o sistema de prisão usado durante a Guerra do Vietnã.
As exposições são todas numeradas de 1 a 13. Começamos no segundo andar do prédio e vamos descendo até o térreo. Em seguida, passamos para as exposições externas. Além das exposições, o War Remnants Museum conta com loja de souvenirs e uma lanchonete.
1. Historical Truths
A sala exibe exposição contendo fotografias e documentos relativos aos acontecimentos entre 1946 e 1975. Há transcrição de trechos de discursos políticos e de convenções internacionais, como a Conferência de Genebra de 1954.
2. Requiem
A sala contém exibição de imagens históricas coletadas por Tim Page e Horst Faas em memória dos correspondentes que atuaram durante a Guerra do Vietnã. A coleção inclui 204 trabalhos de 133 correspondentes que pereceram na Guerra (53% eram vietnamitas). A coleção apresenta os horrores da guerra sob a lente de fotógrafos de 11 nacionalidades.
Na lista de fotógrafos, encontra-se o japonês Keizaburo Shimamoto, que acompanhou o jornalista brasileiro José Hamilton Ribeiro que atuava para a Revista Realidade. Em 1968, a poucos dias de retornar ao Brasil, o jornalista perdeu a parte inferior da perna esquerda na explosão de uma mina vietcong perto de Quang Tri. Foi transferido para um hospital norte-americano e teve um longo tratamento nos Estados Unidos. Hoje, ele atua no Globo Rural. Você, com certeza, já o viu na TV Globo. Shimamoto registrou o acidente com o brasileiro. O fotógrafo faleceu algum tempo depois quando o helicóptero em que viajava foi alvejado no ar. A estória está contada no livro O Gosto da Guerra publicado pelo jornalista em 1969. |
- A Professora Christine Schwenkel, num artigo publicado em 2008, faz uma comparação entre os trabalhos dos fotógrafos ocidentais e dos vietnamitas. Enquanto as imagens da morte e dos traumas da guerra eram apresentadas pela mídia ocidental, as imagens dos vietnamitas eram mais otimistas e cheias de esperança. Buscavam, especialmente, representar a rotina diária durante o conflito. Além de tratar de temas como alegria, brincadeiras e amor, as imagens tiradas pelos fotógrafos locais buscavam mostrar o trabalho e a preparação para a guerra para servir como testemunho do “heróico espírito de resistência contra a agressão estrangeira”.
3. Vietnam War and Peace
Nesta sala, há uma coleção de fotos do correspondente japonês Shikawa Bunyo. Em 2015, ele doou os trabalhos para o museu.
4. Agent Orange during Vietnam War
Nesta sala, há uma coleção de fotos do fotógrafo japonês Nakamura Goro, que capturou as consequências do agente laranja na guerra.
5. White Doves
Esta sala é uma área de atividades para crianças destinada a promover o patriotismo, o sentimento contrário à guerra, o amor pela paz e o entendimento mútuo entre as pessoas no mundo.
6. War Crimes
Nesta sala, há exibição de evidências de crimes de guerra cometidos pelos Estados Unidos contra a população vietnamita, incluindo tortura, assassinatos, massacres e bombardeiros de casas, vilas e escolas.
7. Agent Orange Effects
Nesta sala, o visitante encontra a mais dura e triste das exposições. É uma coleção de fotos, dados e artefatos acerca do uso de agentes químicos pelos americanos durante a Guerra do Vietnã. Os registros também destacam a determinação das vítimas para superar as consequências.
Por possuir elevado teor de uma substância cancerígena, o agente laranja era o mais perigoso dos desfolhantes usados pelos americanos durante a Guerra do Vietnã. Apesar de não ter como objetivo atingir diretamente os inimigos, mas de retirar o alimento e o abrigo dos guerrilheiros, o agente laranja apresenta sérios efeitos colaterais no ser humano e no meio ambiente.
Crianças que nasceram em áreas contaminadas pelo agente laranja sofreram de múltiplos problemas de saúde, tais como, deformidades físicas e deficiência mental. Americanos também foram expostos ao herbicida e sofreram as consequências. Filhos de veteranos também nasceram com deformidades.
As empresas Monsanto e Dow Chemicals eram as duas maiores produtoras do agente laranja usado pelos militares americanos na guerra.
8. Agent Orange Consequences through Children’s Paintings
A sala contém um conjunto de pinturas e desenhos realizados por crianças retratando as consequências do agente laranja. Também é uma sala muito triste, mas alguns desenhos buscam retratar momentos de superação das adversidades geradas pelos efeitos dos agentes químicos utilizadas pelos americanos.
9. Conference Room
Sala de Conferências.
10. The World Supports Vietnam in Its Resistance
No piso térreo, esta é uma exposição que apresenta os movimentos de resistência à Guerra do Vietnã pelo mundo. São fotos de protestos ocorridos em vários países, cartazes e mensagens contrárias ao conflito. Na área central, há uma apresentação em vídeo sobre os movimentos pela paz.
11. Temporary Exhibitions
Sala de Exposições temporárias localizada no piso térreo. Durante nossa visita, havia a exposição “Waging Peace – US Soldiers and Veterans who opposed America’s War in Viet Nam”. Trata-se de uma coleção de documentos e fotos elaborada pelo ativista Ron Carver e pelo movimento Veterans for Peace (VFP).
12. Imprisionment System During Vietnam War
Trata-se de uma exposição na área externa relativa ao sistema prisional criado pelo Vietnã do Sul e pelos americanos durante a Guerra. São retratadas as condições dos presídios de Chi Hoa, Thu Duc, Tan Hiep, Phu Quoc e Con Dao. O destaque da exposição é a utilização da Guilhotina e da chamada “Tiger Cage”, celas pequenas onde os prisioneiros apanhavam e eram torturados. Uma destas “Tiger Cages” em exposição é uma pequena gaiola de arame farpado.
13. Open-Air Exhibition
Exposição externa de veículos militares, aeronaves e bombas utilizadas pelos americanos durante a Guerra do Vietnã.
Dicas para visitação
Dedique, pelo menos, duas horas para visitar o War Remnants Museum, preferencialmente, no período da manhã.
Entretanto, antes de visitá-lo, é recomendável ler um pouco sobre a história contemporânea do Vietnã e/ou assistir documentários sobre a Guerra.
Com isso, você poderá compreender melhor o museu, o contexto dos fatos nele descritos, bem como perceber eventuais exageros e nuances. Como falei, não se trata de um museu de história propriamente dito, mas de um museu de crimes de guerra.
Recomendo, ainda, combinar a visita ao War Remnants Museum com o passeio para os Túneis Cu Chi ou com uma visita ao Palácio da Reunificação. Este fica a 5 minutos de caminhada do museu.
Livros Recomendados
Muitos foram os romances, biografias ou livros-reportagem escritos sobre a Guerra do Vietnã. A seguir, indicamos algumas recomendações de leitura.
- A Menina da Foto, de Kim Phuc Phan Thi.
- O Gosto da Guerra, de José Hamilton Ribeiro.
- A Vietnam War Reader: A Documentary History from American and Vietnamese Perspectives, de Michael H Hunt.
- When Heaven and Earth Changed Places, de Le Ly Hayslip.
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Catfish and Mandala: A Two-Wheeled Voyage Through the Landscape and Memory of Vietnam, de Andrew X. Pham.
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Where the Ashes Are: The Odyssey of a Vietnamese Family, de Nguyen Qui Duc.
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The Sympathizer: A Novel (Pulitzer Prize for Fiction), de Viet Thanh Nguyen.
-
Vietcong Memoir, de Troung Nhu Tang.
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Nothing Ever Dies: Vietnam and the Memory of War, de Viet Thanh Nguyen.
Informações úteis
O War Remnants Museum está localizado na região central de Ho Chi Minh City, bem próximo ao Palácio da Reunificação. Está localizado no Distrito 3, mas, se você estiver hospedado no Distrito 1, é fácil chegar lá apé. Caso contrário, recomendo pegar um Taxi ou um Grab (aplicativo de transporte). Confira a localização no Mapa.
Os tickets custam 40.000 VND (aprox. R$ 9,30). Estudantes tem desconto de 50% nas tarifas, mas não esqueça de levar o sua Carteirinha Internacional do Estudante.
Crianças e Adolescentes de 6 a 15 anos também pagam meia-entrada. Para menores de 6 anos, a entrada é gratuita. Apesar disso, tendo em vista as imagens fortes, o museu não é recomendado para crianças.
O museu funciona todos os dias, inclusive feriados, das 7:30 às 12hs e das 13 às 17hs.
- Dica: Evite os horários do final de tarde, quando o museu costuma ficar mais lotado, pois algumas excursões para os Túneis Cu Chi terminam por lá.