No dia 18 de agosto, a 123milhas anunciou a suspensão da emissão de passagens e pacotes da linha Promo (datas flexíveis) com embarque entre setembro e dezembro de 2023, alegando a “persistência de circunstâncias de mercado adversas”. Aos clientes, ofereceu vouchers a serem usados na compra de produtos da própria 123milhas [fonte: G1].
Para quem não sabe, a Linha Promo é uma das mais famosas da 123milhas, com preços muito abaixo dos praticados pelas companhias aéreas. Também chamada de “passagens flexíveis”, a linha foi lançada no início de 2022, tendo como lema: “Escolha o destino, se programe e tenha certeza de aproveitar os melhores preços da internet”. O passageiro adquiria a viagem com bastante antecedência (mais de 12 meses antes do voo) – fora de épocas de alta temporada, indicava as datas e a agência emitiria a passagem apenas 10 dias antes do voo, buscando as melhores tarifas. O cliente deveria ter flexibilidade de 24 horas na data da viagem, tanto na ida quanto na volta. Além disso, a rota, incluindo escalas e conexões, seria definida pela 123milhas apenas no momento da emissão.
Duas semanas após o anúncio da suspensão, a 123milhas ingressou com pedido de recuperação judicial, que foi logo deferido pela Justiça, no intuito de preservação do “exercício de suas atividades empresariais”, evitando a decretação da falência [fonte: G1]. A medida “congelou” temporariamente os processos judiciais contra empresa por 180 dias, que já começavam a pipocar.
Não preciso dizer que milhares de clientes, notadamente os da chamada Linha Promo, foram pegos de surpresa e acabaram tendo os seus sonhos de viagem frustrados. De fato, são cerca de 700 mil credores cadastrados na recuperação judicial, a maior parte deles clientes, e a dívida da 123milhas representa R$ 2,3 bilhões. Considerando os funcionários demitidos e os novos credores que ainda serão habilitados, sinceramente, não vejo luz no final do túnel para quem ainda não teve a sua passagem emitida. Ficarão sem a viagem e, muito provavelmente, sem a possibilidade de reaver o dinheiro já gasto.
Portanto, são muitas as lições que podemos tirar da crise da 123milhas. O que levou milhares de clientes a comprar passagens e pacotes com grande chance de não serem cumpridos?
Este artigo tem por objetivo tirar lições e aprendizados da crise da 123milhas, que prejudicou viajantes e fornecedores do setor de turismo. Não pretendemos fornecer atualizações sobre o caso, nem orientações para quem foi lesado, mas, tão somente, aprender com o passado para evitar os mesmos erros no futuro.
Você também é responsável!
Culpar a 123milhas, seus sócios e administradores pela crise é chover no molhado. Por óbvio, você e outros consumidores foram vítimas da empresa. Mas, permanecer nesse papel de vítima não vai mudar seu comportamento, nem vai evitar que você caia em outras ciladas semelhantes no futuro. É importante aprender com os erros!
O principal motivo pelo qual você comprou (ou pensou em comprar) uma passagem da linha “promo” da 123milhas foi a vontade de fazer um bom negócio. Após a compra, é provável que você ainda tenha contado a um amigo que se sentiu influenciado a comprar, notadamente, se alguma das suas viagens tenha dado certo. Esses sentimentos e essas atitudes são normais do ser humano, mas também podem ser a origem de decisões financeiras desastrosas de modo geral. Nesse momento, é necessário que a razão se imponha. Quando a esmola é demais, até o santo desconfia! (veja abaixo). Não é porque deu certo uma vez que irá dar certo sempre.
Alguns meios de comunicação, já vinham dando sinais de alerta para que você não fosse mais um consumidor lesado. Há, pelo menos 1 ano, a imprensa já noticiava o não cumprimento dos pacotes flexíveis da Hurb, produto semelhante às passagens “Promo” da 123milhas. Os produtos são semelhantes, ainda que o modelo de negócios das empresas seja ligeiramente diferente (a Hurb trabalha com compras coletivas e a 123milhas com a emissão de passagens com milhas de terceiros).
A 123milhas também já aparecia na imprensa. Em 30/8/2022, o Uol divulgava que o “Procon notifica 123 Milhas após reclamação de consumidores”. Segundo o portal, o Procon-SP notificou a agência para explicar por que não estaria entregando bilhetes aéreos e vouchers de hospedagem adquiridos por consumidores. Esse fato deveria ter chamado a atenção de quem pretendia adquirir qualquer produto da empresa.
Muitos viajantes sérios, em seus blogs ou redes sociais, já alertavam para ter cuidado com os “voos flexíveis”.
Quem seguiu as orientações do nosso blog, por exemplo, jamais teria adquirido esse produto. No artigo “20 erros que você deve evitar ao comprar passagens aéreas”, afirmamos que, como regra, o melhor lugar para comprar passagens é no próprio site da companhia aérea. Apenas excepcionalmente, você pode adquirir passagens em OTAs (Online Travel Agencies), mesmo assim, só deve adquirir em OTAs que emitam imediatamente o seu bilhete. No mesmo post, falamos sobre os “voos flexíveis” e explicamos porque você não deveria comprá-los.
No tiktok, o Advogado João Raposo já havia feito o alerta sobre os “voos flexíveis” em agosto de 2022, salientando que a conta não fechava (clique aqui).
A Alice pelo Mundo alertou sobre possível inadimplência da 123milhas (abril/2023). Segundo a blogueira, a 123milhas opera em conjunto com a HotMilhas, empresa do mesmo grupo: enquanto a Hotmilhas compra e paga os milheiros, a 123 Milhas emite passagens para os clientes com as milhas adquiridas. Ocorre que a HotMilhas teria começado a apresentar problemas de pagar seus fornecedores e, com menos gente vendendo milhas, ficaria mais difícil para a 123milhas honrar as suas passagens.
Não existem passagens ou pacotes flexíveis.
Quando você adquire uma “passagem ou um pacote flexível” através de uma agência online (OTA), você, em verdade, está adquirindo uma promessa de passagem ou pacote. A agência te vendeu algo que ela não tem, para supostamente lhe entregar no futuro. A aposta é de que os preços irão cair no futuro e a diferença será o lucro da agência.
No mercado financeiro, esse tipo de operação é chamada de venda a descoberto. Porém, no mercado, quem opera vendido deve oferecer garantias de que irá cumprir a promessa de entregar (ou devolver) aquilo que não tem. Ao longo do tempo, a corretora ou a bolsa de valores pode exigir ainda mais garantias de quem está vendido, se os preços subirem (chamada de margem). Também é uma aposta na queda dos preços, mas, em razão das garantias exigidas, o risco é todo de quem opera vendido.
No caso das “passagens flexíveis”, a agência faz uma aposta com o seu dinheiro. Nesse caso, o risco é seu, pois se a agência não conseguir cumprir, tal como ocorreu agora, você ficará sem passagem e, provavelmente, sem o seu dinheiro de volta (que foi usado para cobrir outros déficits).
Convém reiterar que se trata de uma promessa de passagem, pois a agência comercializava voos com muita antecedência (acima de um ano do momento da compra) e as companhias aéreas só vendem passagens para até 11 ou 12 meses do momento da compra. Percebe, portanto, o quão arriscada era a operação praticada pela OTA?
É importante não confundir os “voos flexíveis” vendidos pelas agências com as tarifas flexíveis (ou seja, remarcáveis) das passagens comercializadas pelas próprias companhias aéreas. Ao adquirir passagem com tarifa flexível, você já tem a passagem com data e hora marcadas, mas pode alterá-la sem custo (ou com menor custo) junto a companhia aérea.
Quando a esmola é demais, até o santo desconfia.
O que observamos nas “passagens flexíveis” eram preços muito abaixo dos praticados pelas companhias aéreas para as mesmas rotas (nacionais ou internacionais), o que deveria levantar dúvida se tais promessas seriam cumpridas. Passagens ida e volta para a Europa ou para os Estados Unidos por R$ 1000 são irreais, infactíveis. Passagens domésticas ida e volta por menos de R$ 100 também são inexequíveis. Por vezes, as ofertas sequer cobriam o valor das taxas aeroportuárias.
Como se pode ver, esse modelo de negócio é insustentável no longo prazo, mesmo que a OTA adquira as passagens com milhas ou pontos de programas de fidelidade (veja abaixo). No início, algumas passagens seriam honradas, mesmo que a agência operasse com déficit. Entretanto, com o tempo, se o preços das passagens subisse (tal como ocorreu no pós-pandemia), o déficit seria cada vez maior e a agência não teria mais condições de cobrir as passagens. Uma enorme quantidade de consumidores acabaria sendo lesada.
E foi o que aconteceu. Segundo os dados da recuperação judicial, no 1° semestre de 2022, o prejuízo da 123milhas foi R$ 13,134 milhões. Nos primeiros seis meses deste ano, a agência teve prejuízo líquido de R$ 1,671 bilhão. A recuperação judicial também revelou que a 123milhas tem 700 mil credores, sendo a maior parte deles clientes lesados. A lista inclui também grandes bancos, empresas de meios de pagamento, agências, companhia aérea e até o Google (Fonte: Revista PEGN – leia aqui e aqui).
Pós-pandemia: o desafiador cenário para a aviação comercial
A pandemia afetou severamente a aviação comercial, seja no Brasil, seja no exterior. Durante esse período, houve queda da receita, aumento no endividamento das companhias aéreas e aumento com despesas decorrentes da variação cambial. Mais de 40 empresas aéreas faliram no mundo em 2020 (fonte: Airway).
A companhia aérea mais importante do Brasil, a Latam, entrou em recuperação judicial. Outra empresa aérea, a Itapemirim Transportes Aéreos (ITA), começou e terminou suas operações em menos de 6 meses (2° semestre/2021). Deixando de operar em dezembro de 2021, a ITA afetou mais de 33 mil passageiros às vésperas das festas de final de ano. Observe que a ideia original da ITA era conquistar o passageiro oferecendo gratuitamente benefícios cobrados pelas concorrentes (bagagem, marcação de assento etc.) e mantendo o preço competitivo. Ou seja, também uma proposta irrealista.
No pós-pandemia, a perspectiva para as empresas de aviação comercial também não foi favorável, com aumento dos custos de combustível, inflação e câmbio nas alturas. No exterior, outros fatores tornaram a aviação comercial ainda mais desafiadora: as no-fly zones decorrentes da guerra e a falta de pessoal qualificado.
No Brasil, num contexto em que apenas três empresas aéreas dominam o mercado doméstico e em que as empresas precisavam recuperar os prejuízos da pandemia, outro não poderia ser o resultado: um aumento das tarifas aéreas domésticas.
As passagens internacionais também foram afetadas. A propósito, a consultoria de turismo Mabrian realizou um estudo global sobre o preço das passagens internacionais entre julho/2021 a junho/2023, revelando um aumento médio de 31,2% nos últimos dois anos. Foram considerados os voos diretos para destinos internacionais em 157 países. As companhias tradicionais (legacy airlines), com estruturas de custo mais rígidas, tiveram, no mesmo período, aumentos nas passagens bem superiores aos das companhias low-cost (40% e 6%, respectivamente).
No Brasil, vide gráfico acima, observamos um aumento constante dos preços (em Euros) até outubro de 2022, quando tiveram ligeira queda. Apenas em 2023, eles começaram a cair significativamente. Mesmo assim, os preços (em Euros) ainda continuam superiores aos do início da pandemia.
Diante disso, percebe-se que a aposta de queda dos preços feita pela 123milhas com a linha Promo não teria qualquer chance de ser bem sucedida. É possível que no futuro os preços se estabilizem em patamares mais razoáveis, mas o cenário ainda é desafiador para as companhias aéreas.
O 'mundo mágico' das milhas está acabando
Há muitos motivos que me fazem crer que a era de ouro das milhas aéreas acabou ou está próxima do fim. Isso, por óbvio, tem impacto direto nessas empresas cujo modelo de negócios consiste em vender passagens mais baratas emitidas com milhas aéreas, as quais, por sua vez, são adquiridas de terceiros.
Em primeiro lugar, vender milhas ou pontos vai contra o regulamento dos programas de fidelidade das companhias aéreas. A penalidade é a exclusão do programa, a perda dos pontos/milhas e do status de fidelidade. Atualmente, as companhias passaram a combater esse comércio indevido de milhas, pois consideram que esse comportamento é nocivo às empresas aéreas e desvirtua o objetivo do programa de fidelidade, que é premiar os passageiros mais fiéis.
Há notícias de contas sendo bloqueadas, tais como, as de clientes com relacionamento com a 123milhas (leia aqui). Outra medida, adotada pela Azul, é o cadastro prévio de CPFs em nome dos quais você pode emitir passagens com pontos/milhas. A ideia é combater os “milheiros”.
Recentemente, considera-se também que a venda de milhas é ilegal por contrariar a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados), o que é outro fator que deve inibir esse modelo de agência baseada em comércio de milhas.
A vantagem de se utilizar as milhas para comprar passagens, ao invés de comprá-las com dinheiro, acontece quando existem assimetrias nos “preços”. Porém, essas oportunidades estão cada vez mais raras. Em geral, os preços em milhas estão alinhados aos preços em dinheiro. Como as passagens ficaram mais caras no pós-pandemia, também ficou custoso emití-las com pontos ou milhas. Também ficou mais difícil acumular milhas.
No artigo “Vale a pena fazer cursos de milhas?”, apresentei as estratégias que os milheiros utilizam para acumular mais milhas e emitir passagens mais baratas, mas destaquei que estas técnicas tem validade temporária. Os programas mudam frequentemente as regras de acúmulo e premiação com vistas a cobrir as brechas que aparecem. Neste artigo, também expliquei que, no fim das contas, você é quem acaba pagando a conta, ainda que indiretamente e de forma não transparente.
Em razão disso, confesso que, pessoalmente, não tenho dado mais tanta importância às milhas aéreas quanto dava anteriormente. Evito também utilizar técnicas para acumulá-las de forma artificial (cartões de crédito, clubes, etc). Obviamente, as milhas ajudam a cobrir uma ou outra passagem intermediária ou hospedagem, mas nem sempre investir em milhas é a alternativa mais econômica.
Atualmente, entre pagar no Pix com 5% de desconto e pagar no cartão de crédito com 2 pontos por dólar, tenho optado pela primeira alternativa, a mais econômica. Quanto à aquisição de passagens, simplesmente acho mais transparente e econômico buscar as datas e rotas mais baratas em dinheiro.
Sempre desconfie da publicidade excessiva.
Certa vez, um professor me disse que “o que é bom não precisa de propaganda” e essa lição simples sempre me pareceu válida. Na mesma linha, o funcionário de uma adega me disse: “as garrafas com os rótulos mais bonitos sugerem vinhos de qualidade duvidosa”. Isso vale para tudo na vida: para produtos, para serviços, para viagens, para políticos e até para pessoas em geral que gostam de se promover. A publicidade excessiva é, via de regra, uma forma de compensar algum defeito no produto ou serviço.
Quem porventura tenha embarcado nos aeroportos brasileiros nos últimos anos, percebeu a publicidade agressiva da agência, seja nos corredores, seja nas pontes de embarque (fingers). Era constante a presença de painéis com os cantores sertanejos Zezé di Camargo e Sorocaba e com o apresentador Bruno de Luca, do programa de viagens “Vai pra onde?” (Multishow). Todos fazendo pose com as mãos nos bolsos e vestindo camisetas brancas com a logo da agência.
A publicidade não aparecia apenas nos aeroportos, mas também na TV, no Youtube e em outros veículos, transmitindo a ideia de que viajar era para todos e que era possível viajar com 50% de desconto. Era bem cansativo!
Nos últimos anos, a 123milhas chegou a ser a segunda maior anunciante no Brasil. Em 2022, adquiriu mais espaços publicitários que empresas como Samsung, Unilever, Itaú, Bradesco e Banco do Brasil. Em 2021, os gastos com publicidade alcançaram o montante de R$ 2,37 bilhões e, em 2022, o montante de R$ 1,18 bilhão (fonte CNN Brasil).
Todo esse gasto não tinha como objetivo apenas vender passagens e hospedagens, mas também construir uma reputação sólida perante o seu público, levando-o acreditar (sem questionar) nas promessas de viagem barata e “flexível” – situação que acabou se demonstrando insustentável.
É bom lembrar que é o consumidor que, no final das contas, paga os gastos com a publicidade da empresa. Portanto, diante de publicidade excessiva, desconfie!
Influenciadores e sites de promoções de passagens áereas.
Sem a participação de digital influencers e de sites tradicionais de divulgação de promoções de passagens aéreas, certamente não haveria tantos clientes lesados pela 123milhas. A lição que fica é que não dá para confiar em tudo o que se lê ou que se vê na Internet e nas redes sociais. Isso não vale apenas para viagens, mas para outros produtos e serviços, para investimentos e finanças pessoais, para saúde e alimentação e até para política. À medida que você estuda, pesquisa e se informa por veículos confiáveis, você terá condições de analisar de forma crítica essas informações e “ofertas promocionais” que circulam pela internet.
Minha maior decepção com a crise da 123milhas não foi com a agência em si, mas com o site Melhores Destinos – MD. E isso não é de agora. Aconteceu há pouco mais de um ano, em meados de 2022. O site, que já usei bastante para consultar promoções de passagens aéreas, havia feito uma parceria com a 123milhas para divulgar as “passagens flexíveis” da agência. Obviamente, o site passou a receber comissões pelas vendas feitas por meios dos seus links para a 123milhas. A parceria foi tal que chegaram a criar um canal de comunicação com a empresa para tratar de questões urgentes, no intuito de “ajudar os seus leitores”.
À época, já haviam começado a circular notícias de problemas de clientes da 123milhas, tais como, cancelamento de passagens e a não emissão das passagens no prazo fixado. Isso teria acendido a luz amarela em alguns leitores do MD, o que fez com que o site publicasse um artigo em 30/8/2022, sustentando que “que os voos flexíveis continuam valendo a pena” (confira o artigo aqui – apagado). Na mesma linha, o MD publicou um vídeo no Youtube mostrando “Como funcionam os voos flexíveis na 123milhas?” e contando como foi a experiência de voar na empresa. Sinceramente, o vídeo é ridículo (vídeo também apagado – confira trechos aqui).
Misteriosamente, os vídeos e posts sobre a 123milhas foram retirados do ar (não sei quando), o que sugere que o Melhores Destinos percebeu o grave erro cometido com essa parceria. Entretanto, não alertou seus leitores, nem fez um mea culpa. No dia 19/8/2023, quase 20h após a nota de suspensão, o MD publicou artigo replicando o comunicado da 123milhas e uma FAQ contida no site da agência (veja aqui), como se não tivesse nada a ver com a questão. Obviamente, os leitores ficaram indignados e se manifestaram nos comentários do artigo (confira lá!).
Outro site que divulgou as passagens flexíveis da 123milhas foi o Passagens Imperdíveis. Diferentemente do MD, a divulgação dos “voos flexíveis” se estendeu até, pelo menos, dois dias antes da nota de suspensão – dia 16/8/2023 (Confira aqui).
Por fim, não poderia deixar de divulgar o papel dos influenciadores digitais em assegurar credibilidade ao modelo dos “voos flexíveis”. Se você pesquisar nas redes sociais sobre “caí no golpe da 123milhas”, você vai encontrar diversos personagens, famosos ou anônimos, relatando de forma irônica o sucesso que tiveram ao viajar pagando pouco com a 123milhas. Um deles ainda disse “adoro golpes bem elaborados”. Esse comportamento imoral e asqueroso nas redes sociais seguramente reforçou nos outros clientes a ideia de que era possível fazer um grande negócio.
O governo deveria regular esse tipo de produto
A intervenção do Estado na atividade econômica justifica-se sempre que a atividade for capaz de gerar um impacto negativo em outros agentes econômicos (externalidades negativas). A intervenção pode se dar de diversas formas, tais como, a regulação, a fiscalização, os incentivos e punições e até mesmo pela atuação direta estatal. Defendo que esse modelo de negócios de venda de passagens adotado pela 123milhas (passagens flexíveis) deveria ser regulado ou até mesmo proibido pelo Ministério do Turismo, pela Secretaria Nacional do Consumidor ou pela Agência Nacional de Aviação Civil, haja vista o quão lesivo ele pode ser para os passageiros, para as companhias aéreas e para todo o setor de turismo.
O setor de turismo foi um dos setores mais afetados pela pandemia, senão o mais afetado, e em razão disso, recebeu um tratamento especial do governo federal. Os fornecedores, por exemplo, não foram obrigados a reembolsar os clientes em caso de adiamento e cancelamento dos serviços (Lei 14.046/2020). O Governo Federal, por outro lado, injetou R$ 5 milhões de reais no Fundo Geral do Turismo (Fungetur) para auxiliar os empreendimentos turísticos nesse momento de crise.
Em 2020, logo no início das medidas de isolamento social, a Hurb começou a vender os Pacotes com Data Flexível, incluindo transporte aéreo e hospedagem, para datas muito distantes, com preços muito abaixo dos praticados pelo mercado (leia aqui). Os valores sequer cobririam as passagens. O resultado não poderia ser outro: clientes que ficaram sem a sua tão sonhada viagem e proprietários de pousadas e hotéis que não receberam o pagamento.
Ressalto que outras OTAs adotaram uma postura muito mais responsável para enfrentar a pandemia. Foi o caso da Decolar, que demonstrou preocupação com a sustentabilidade do seu negócio no longo prazo.
Talvez em razão dos efeitos da pandemia, o governo permaneceu inerte por muito tempo e deixou os consumidores da Hurb sem a merecida proteção. De fato, apenas no 2° semestre/2022, o Ministério da Justiça pediu explicações à empresa sobre os pacotes que não estavam sendo entregues (leia aqui). Em maio de 2023, a Senacon/MJ decidiu suspender a venda de pacotes flexíveis pela Hurb até que a empresa apresentasse um “plano concreto de resolução” dos contratos anteriormente firmados (leia aqui). Nessa época, observamos muitos estabelecimentos hoteleiros deixaram de atender clientes Hurb em razão de falta de pagamento: os clientes às vezes chegavam a viajar, mas ficavam sem hospedagem.
Foi, nesse contexto, que a 123milhas lançou os “voos flexíveis” no início de 2022, mesmo conhecendo a experiência negativa da Hurb.
A boa notícia é que, recentemente, passou-se a discutir alguma forma de regulação do modelo de negócios da 123milhas, conforme revela uma audiência em 13/9/2023 na Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara dos Deputados.
Viajar é para todos?
Diante de tudo isso, será que o lema da 123milhas faz sentido? Acredito que todos podem viajar, mas nem toda viagem é acessível a todos. Se você tem poucos recursos para gastar, obviamente, deve optar por destinos mais próximos, mais baratos e adotar um estilo de viagem mais simples. Esqueça Paris, Londres ou Nova Iorque, pois são cidades muito caras. Há inúmeros destinos, nacionais e internacionais, baratos e igualmente encantadores. Não queira dar um passo maior que a sua perna! Essa é a receita para cair em armadilhas como a das passagens promo.
É importante destacar que as passagens aéreas representam apenas uma pequena parcela do custo total da viagem (20-30%). Há outros custos relevantes, tais como, hospedagem, alimentação, transporte e os ingressos para atrações turísticas. Por óbvio, se você está viajando para um destino caro, pagar barato na passagem terá pouca influência no montante total que você irá gastar.
Por outro lado, se você der uma olhada ao seu redor, certamente, vai encontrar opções de destinos bons, bonitos e baratos para visitar. A Argentina e a Bolívia, por exemplo, são destinos turísticos incríveis, próximos e bem em conta. Dá até para ir de ônibus, se você tiver tempo e coragem. No Brasil mesmo, há tantos lugares interessantes e diferentes que nem sei por onde começar. E quanto mais você ler sobre o destino, sua história, sua cultura e suas atrações, mais encantador ele vai se tornar.
Por fim, leve a sério os seus sonhos. Se você sonha em visitar um destino e não tem condições financeiras, não se entregue a aventuras como as das passagens ou pacotes “flexíveis”. Planeje, pesquise, junte dinheiro, ainda que tudo isso leve um certo tempo.
Se for o caso, procure agências de turismo sólidas e confiáveis. Uma dica é procurar agências com ações negociadas em bolsa de valores. Elas são obrigadas a divulgar periodicamente seus balanços e fica muito mais fácil para o público verificar a sua saúde financeira.
Espero que essas considerações lhes sejam úteis! Boas viagens!
Deixe um comentário