Nos últimos dias tenho sido bombardeado na internet por anúncios de cursos de milhas aéreas. Alguns buscam ajudar os turistas a viajar mais, melhor, de graça ou pagando pouco. Outros cursos prometem ajudá-lo a criar uma nova fonte de renda, ganhando, comprando e vendendo milhas. Uma promessa habitual é ensiná-lo a viajar de classe executiva pagando preço de econômica. Há quem sugira ser possível viajar para as Ilhas Maldivas na Business Class por apenas R$ 1.500.
Além dos cursos, existem também as mentorias. Todos são ministrados online por “gurus” que se apresentam em lugares maravilhosos e descobriram o “segredo” de viajar barato usando os programas de fidelidade. Por vezes, você tem que se inscrever numa lista de espera se quiser aproveitar desse “incrível conhecimento”. Os preços variam de R$ 100 a R$ 2.500. “Depoimentos” contidos na landing page do curso dizem que os alunos recuperaram rapidamente esse “investimento”.
Mas, será que vale mesmo a pena fazer cursos de milhas ou participar de mentorias? É o que pretendo responder neste artigo.
* Tratamos aqui somente dos cursos voltados às viagens e não à geração de renda. O nosso foco será na utilização de pontos na aquisição de passagens aéreas, pois essa é a utilização que, via de regra, maximiza o benefício do cliente.
**Neste artigo, não fazemos distinção entre pontos e milhas aéreas. Entendemos que essa distinção não faz mais sentido nos dias de hoje. De qualquer forma, é importante mencionar que a expressão “milhas aéreas” costuma ficar restrita aos programas ligados às companhias aéreas (nem todos).
Sobre milhas aéreas, leia também:
1. Conteúdo dos cursos de milhas
Em síntese, os cursos de milhas (supostamente) te ensinam estratégias para obter mais milhas e a utilizá-las de forma mais racional. É assim que você conseguiria viajar mais, melhor, de graça ou pagando menos.
Dentre as técnicas ensinadas, podemos citar:
- a utilização de cartões de crédito melhores para geração de milhas.
- a compra de milhas ou pontos com desconto.
- a obtenção de bônus em transferências de milhas entre cartões, entre programas de fidelidade, e entre pessoas.
- a utilização de clubes de pontos.
- o pagamento de contas, inclusive de cartão de crédito, com outro cartão de crédito.
- a realização de compras pela Internet para obtenção de milhas.
- a emissão de passagens aéreas com pontos em companhias parceiras.
- a utilização de programas com tabela fixa de premiação.
É verdade que nem todos os cursos e mentorias divulgam o seu programa. De qualquer forma, a ideia central é sempre procurar brechas e promoções nos programas de fidelidade de forma a maximizar a geração de milhas e a utilização delas de forma otimizada. De um lado, busca-se adquirir milhas com o mínimo custo. De outro, busca-se o obter o máximo benefício por milha possuída.
Além do conteúdo, costuma ser oferecida aos alunos a participação em grupos de Whatsapp ou Telegram onde seriam divulgadas promoções e oportunidades para viajar barato.
2. Não existe almoço grátis!
No que diz respeito às milhas aéreas, não existe almoço grátis. Na maioria das vezes, é você mesmo quem estará pagando por aquela viagem adquirida com pontos, ainda que de forma indireta. As brechas e boas oportunidades nos programas de milhagem, quando aparecem, são temporárias, pois tornar-se-ia insustentável para as companhias aéreas mantê-las.
Como se sabe, o setor aéreo vem sofrendo bastante, especialmente no Brasil, desde 2015, com a crise econômica, e atualmente com a pandemia e com o aumento do preço do petróleo.
Os programas de milhagem, por sua vez, não mais funcionam como meros instrumentos de fidelização dos clientes. Atualmente, são empresas lucrativas e boas geradoras de caixa. Portanto, não espere que esses programas operem com déficit ou que você consiga viajar de graça.
Mudanças nas regras de acúmulo e premiação
Quando uma operação começa a ficar deficitária, os programas alteram unilateralmente as suas regras de acúmulo e premiação.
No que tange ao acúmulo, por exemplo, os programas vem adotando regras em que as milhas acumuladas são proporcionais ao valor efetivamente gasto pelo cliente. A pontuação fixa por trecho voado é cada vez mais cara.
As transferências de pontos dos cartões de crédito para os programas também estão se tornando mais restritivas. É comum, por exemplo, ver um aumento no limite mínimo para transferência (ex. lotes de 20 ou 30 mil pontos).
No que tange à premiação, existe o fenômeno conhecido como “inflação das milhas”, em que os pontos necessários para a emissão de uma passagem aérea aumentam com o tempo.
Há, também, uma tendência em alinhar os preços em dinheiro com o “preço” em milhas aéreas, acabando com aquelas assimetrias que eram bem vantajosas para os clientes.
Compras online
Com relação às compras online, é muito fácil perceber que você efetivamente paga pelas milhas obtidas. Para acumulá-las, você deve fazer a compra por um hotsite, onde os preços são, via de regra, superiores aos preços do site original. Por vezes, essa diferença está disfarçada sob a forma de um desconto.
Lembre-se que os parceiros não aéreos compram milhas dos programas de fidelidade para distribuir aos seus clientes. Em razão disso, é natural que esse custo esteja embutido no preço dos seus produtos.
Cartões de crédito
O mesmo vale com relação aos pontos acumulados nos cartões de crédito. A cada compra que você faz pelo cartão, uma parcela vai para o banco emissor, para a bandeira do cartão e para a empresa das maquininhas. Obviamente, os lojistas vão cobrar mais de quem utiliza esse meio de pagamento (e hoje em dia tem permissão legal para discriminação de preços). Ou seja, você poderia estar pagando menos se efetuasse o pagamento mediante PIX, cartão de débito ou dinheiro.
Além disso, regra geral, cartões que acumulam mais cobram uma anuidade maior. Se isso não bastasse, com raras exceções, a pontuação recebida é proporcional ao gasto convertido em dólares americanos (USD). Com o dólar nas alturas, você vai ter que gastar mais em reais para obter a mesma quantidade de pontos que recebia há alguns anos atrás.
Você paga pelas milhas, mesmo que indiretamente
Enfim, sempre há um custo de transação envolvido na obtenção das milhas. Você está pagando por elas, mesmo que indiretamente.
3. Os cursos não fazem milagre!
Diante desse cenário, dá para perceber que os cursos de milhas aéreas não fazem milagre. As oportunidades citadas nos prospectos dos cursos, ainda que reais, nem sempre estarão disponíveis a todos e a qualquer momento.
Conhecimento com prazo de validade
Em primeiro lugar, as técnicas e estratégias que você aprender no curso tem validade temporária. Se uma condição é muito vantajosa para o cliente, será insustentável no longo prazo para a companhia aérea, o que fará com que ela, mais dia, menos dia, mude unilateralmente as regras do jogo e o conhecimento que você adquiriu no curso seja desperdiçado. Você teria que ficar sempre se atualizando quanto aos programas, suas parcerias e suas oportunidades.
Nos últimos anos, testemunhei muitas mudanças de regras nos programas de fidelidade. As mudanças foram mais intensas para as companhias aéreas brasileiras, mas programas estrangeiros também promoveram mudanças. Sempre no sentido de reduzir as milhas acumuladas com os voos ou parceiros não aéreos ou no sentido de aumentar a quantidade de milhas necessárias para fazer determinados trechos.
Estratégias complexas
Em segundo lugar, para funcionarem, algumas das estratégias ensinadas exigem que várias condições sejam satisfeitas, o que nem sempre acontece na prática. São estratégicas que envolvem múltiplos passos ou etapas.
Exemplo: comprar pontos com desconto (ou bônus) e depois transferir pontos de um programa para outro com bônus de 100% para, em seguida, emitir uma passagem com pontos por esse outro programa. Ocorre que o crédito dos pontos adquiridos e a transferência podem levar alguns dias para serem efetivados e, quando isso acontecer, pode ser que aquela passagem simplesmente não esteja mais disponível.
Disponibilidade de assentos
Em terceiro lugar, existe a própria questão da disponibilidade. Não basta que exista uma tabela fixa dizendo que por 30 mil milhas você viaja de Executiva para Dubai. É necessário que o(s) assento(s) esteja(m) efetivamente disponível(is), na data desejada e para todos aqueles que estejam viajando com você.
Também é comum que aquele assento não esteja disponível na companhia aérea que você quer viajar e a disponibilidade ocorra num voo longo com várias conexões. Convém lembrar que, em épocas de alta demanda, as companhias aéreas disponibilizam poucos (ou nenhum) assento para a aquisição com milhas aéreas.
Nessa mesma linha, a efetividade dessas técnicas pode exigir que você tenha flexibilidade nas datas e nos horários. Ou seja, o assento pode até estar disponível, mas não para a época que você pretende viajar.
Que tal usar os sites especializados?
Por fim, existem muitos sites na Internet que divulgam gratuitamente promoções, estratégias e oportunidades para viajar com milhas aéreas. Dentre esses sites, destaca-se o Passageiro de Primeira e o Melhores Destinos.
Ou seja, em princípio, você não precisa pagar para adquirir esse conhecimento.
4. Conclusão
É verdade que não dá para fazer afirmações categóricas quanto ao mundo das milhas. Em situações específicas, você pode encontrar uma boa oportunidade para viajar barato usando milhas aéreas. Porém, atualmente, essas oportunidades estão cada vez mais raras.
As técnicas ensinadas nos cursos de milhas podem te ajudar a acumular e a utilizar os pontos de forma otimizada. Entretanto, é importante ajustar as expectativas. Esse conhecimento tem prazo de validade. É bem provável que as regras que lhe sejam benéficas sejam alteradas unilateralmente pelas empresas, especialmente, se muita gente começar a aproveitar das “brechas” nos programas.
Essas técnicas e estratégias podem ser úteis para quem gasta muito, para quem viaja bastante, preferencialmente sozinho, e para quem tem flexibilidade nas datas. Para conhecê-las, em princípio, basta acompanhar os sites especializados, ficar atento às promoções e ler sobre os programas de milhagem, conhecendo as suas regras de acúmulo e de premiação. Não é necessário fazer cursos.
Se você viaja pouco, as técnicas e estratégias lhe terão pouquíssima utilidade. O melhor que você faz para viajar barato é acompanhar as promoções e viajar fora de temporada. Com um pouco de paciência, você vai realizar a sua viagem dos sonhos.
Foto de Capa: Andrea Piacquadio (@andreapiacquadio) – Pexels