Adeus, Myanmar! Uma viagem incrível que ficou no passado

Viajar nos permite conhecer novas culturas e aprender sobre religião, sobre política e sobre o ser humano. Há 5 anos, visitamos Myanmar, a antiga Birmânia, um destino turístico incrível e que nos trouxe um aprendizado muito grande.

Desembarcamos em Yangon, a antiga capital e maior cidade do país, onde conhecemos a belíssima Shwedagon Pagoda.

Shwedagon Pagoda, Yangon, Myanmar
Shwedagon Pagoda, Yangon

A pagoda é fantástica; faltam-me palavras para descrevê-la. A pagoda é tão bonita quanto o Royal Grand Palace de Bangkok, mas com menos turistas e um incrível clima de paz e harmonia. Você pode rezar tranquilamente ou mesmo meditar sem ser incomodado. Dentro do complexo, pudemos observar inúmeras famílias reunindo-se para um lanche e monges fazendo suas orações. Achei isso sensacional! Para mim, essa combinação de beleza e paz torna Shwegadon a pagoda mais bonita que já conheci.


Conheça também os 10 templos religiosos mais belos do mundo


Karaweik Palace, Yangon
Karaweik Palace, Yangon

Visitamos, também, o imponente Karaweik Palace, um palácio situado no lago de mesmo nome. Esse palácio, construído no formato de um barco real, funciona hoje como um restaurante. É claro que aproveitamos para almoçar lá! Durante o almoço, pudemos presenciar um show de marionete e musica local.

Maior Buda Reclinado de Myanmar - Chaukhtatgyi
Maior Buda Reclinado de Myanmar – Chaukhtatgyi, Yangon

Ainda em Yangon, visitamos o Chaukhtatgyi, o templo onde fica o maior Buda reclinado de Myanmar. Ele tem 55 metros e estava sendo restaurado.

Yangon Circular Train
Yangon Circular Train

Embora não seja uma atração turística, também aproveitamos para conhecer um trem suburbano, o Yangon Circular Train. O trajeto foi curto; não fizemos a volta completa. Mas, em 4 estações mais ou menos tivemos a oportunidade de vivenciar um pouco, o modo de vida da população.


Quer saber mais sobre Yangon?

Leia: Yangon em 2 dias: a porta de entrada de Myanmar.


Sulamani, Bagan
Templo Sulamani em Bagan

De Yangon, seguimos para Bagan, a cidade dos templos budistas. São mais de 2.200 templos construídos entre os séculos XI e XIII, tanto por reis e rainhas, quanto pela população geral. Bagan é a principal atração de Myanmar. Sem dúvida, é um daqueles destinos que você tem que conhecer.


Leia também: Bagan, um guia da cidade dos templos budistas


Voo de Balão por Bagan - Nascer do Sol
Voo de Balão por Bagan – Nascer do Sol

Num dos dias, acordamos às 5 horas da manhã para fazer o passeio de balão sobre os templos. Foram 50 minutos num percurso indescritível, onde você pode ter noção da imensidão de templos construídos no antigo reino da Birmânia. Em terra, não temos a mesma percepção. Guardo na memória a imagem magnífica do nascer do sol sobre as pagodas e, bem ao fundo, uma pequena aeronave em rota de pouso (foto em destaque). Valeu a pena ter acordado cedo!

De carro, conhecemos vários templos e pagodas também belíssimos: a Shwezigon Pagoda, o Sulamani Temple, a pagoda Dhamma yasika, o templo Ananda Phaya, e o templo Thatbyinnyu.

Monastério Taung Kalat
Monastério Taung Kalat, nas proximidades de Bagan

No outro dia, seguimos para o Monte Popa, que é um vulcão extinto situado a 50 km de Bagan. Numa das encostas, no topo de um Plug Vulcânico, encontra-se o Monastério Taung Kalat. É um local de peregrinação dos birmaneses, que vão venerar os nats (espíritos sagrados). É simplesmente impressionante!

São 777 degraus até o topo e a subida deve ser feita com os pés descalços. Além dos outros turistas e população local, você fará todo o trajeto acompanhado por macacos a procura de algum alimento ou adereço para “roubar”! É cansativo, mas a vista lá de cima compensa.

Santuário Mandalay BoeBoe Gyi, Mandalay, Myanmar
Santuário Mandalay BoeBoe Gyi

Mandalay, a segunda maior cidade de Myanmar e a antiga capital do reino da Birmânia, foi nosso último destino no país. O Palácio de Mandalay, localizado num quarteirão de 2 km de largura e cercado por um imenso fosso, preenchido por água, é indescritível. Num dos vértices do palácio, visitamos algumas pagodas como a Kuthodaw, onde fica o maior livro do mundo, e o belíssimo santuário Mandalay BoeBoe Gyi.

Foram 8 dias incríveis em Myanmar, onde tive oportunidade de conhecer um povo simples e atencioso, mas faltou visitar muita coisa no país. Desde que voltei de lá, sempre pensei em retornar.

Conheça a história de Myanmar

É difícil contar em poucas linhas a trajetória de um país com mais de 2.000 anos de história, mas vou tentar resumir os principais marcos históricos para que você entenda um pouco mais sobre ele. Recomendo que você leia o texto sobre Myanmar da Wikipedia, que serviu de fonte para esse artigo. Caso tenha interesse na história contemporânea do país, recomendo assistir ao filme Além da Liberdade, que retrata a vida da líder Aung San Suu Kyi.

No século II AC, os povos Pyu ingressaram no vale do Irrawaddy, criando várias cidades-estado ao longo do rio. A mais importante delas foi o Reino de Sri Ksetra, no sul do país, próximo à atual cidade de Pyay. O povo Pyu era um povo pacífico, avesso a guerras e gerou uma civilização que durou quase 1000 anos.

Cidade antiga Pyu Sri Ksetra, Myanmar
Cidade antiga Sri Ksetra: patrimônio mundial da Unesco (créditos: Jakub Hałun, CC BY-SA 4.0)

A partir do século IX, a região foi invadida pelos Birmaneses (Bamar) vindos da região da atual província de Yunnan, na China. Os birmaneses fundaram o Reino de Pagan, construindo uma fortificação na confluência entre os rios Irrawaddy e Chindwin. Conseguiram unificar pelas primeira vez as regiões que atualmente constituem Myanmar. Pagan tornou-se um império no sudeste asiático, tendo sido reconhecido pelas dinastias Song da China e Chola da Índia.

Importantes reformas sociais, econômicas e religiosas foram implementadas nessa época, inclusive, a adoção do Budismo Teravada. A riqueza do reino foi usada para construir mais de 10 mil templos budistas em torno da capital de Pagan (atual Bagan), sendo que 3 mil deles remanescem até os dias atuais. O Reino de Pagan durou de meados do século IX até o final do século XIII, com a invasão dos mongóis.

Então, sucederam-se as dinastias Taungoo (1510-1752) e Konbaung (1752-1885), quando a Birmânia foi completamente incorporada ao Império Britânico, após as chamadas Guerras Anglo-Birmanesas. A Birmânia transformou-se em uma Província da Índia Britânica com capital em Rangoon, atual Yangon. Neste período, os britânicos trouxeram profundas mudanças sociais, econômicas, culturais e administrativas ao país, acentuando as diferenças entre os seus diversos grupos étnicos.

Nessa época, eclodiram vários protestos de estudantes, dentre os quais o movimento de 3 de dezembro de 1920 contra o Rangoon University Act, que limitava o acesso dos locais à educação superior. Estes movimentos tiveram grande importância no processo de independência do país, que só ocorreria em 1948, após a Segunda Guerra Mundial, período em que o país foi ocupado por forças japonesas. Nesse processo de independência, merece destaque a atuação do Major General Aung San, fundador das forças armadas do país e considerado pai da nação birmanesa. Ele foi assassinado em 19 de julho de 1947.

Em 1962, houve um golpe de estado comandado por Ne Win, um comandante militar, que tornou-se o ditador do país, estabelecendo um Estado Socialista que durou até 1988. Durante esse período, houve uma série de protestos especialmente contra a corrupção, a inflação e a falta de alimentos que assolava o país. Esses protestos eram severamente reprimidos, acarretando prisões e mortes de manifestantes. Em razão da sua grave situação social e econômica, a Birmânia foi incluída na lista dos Países Menos Desenvolvidos (Least Developed Countries) pelas Nações Unidas (UNCTAD), status que permanece até os dias atuais.

Uma nova junta militar assumiu o poder e, em 1989, o país passou a  chamar-se Myanmar. Foram promovidas reformas econômicas e ensaiou-se uma abertura política.

Aung San Suu Kyi, Myanmar
Aung San Suu Kyi (créditos: Claude Truong-Ngoc, CC BY-SA 3.0/Wikimedia Commons)

Nesta época, Aung San Suu Kyi, filha do General Aung San, que vivia na Inglaterra, onde estudou e formou sua família, retornou para a Birmânia para cuidar de sua mãe convalescente. Ela optou por ficar no país ajudando a fundar e liderar o partido político Liga Nacional para a Democracia. Por suas atividades políticas, Suu Kyi foi colocada em prisão domiciliar, situação que perdurou de forma intermitente até 2010. Ao todo, foram 15 anos de prisão em 21 anos.

Nas eleições gerais de 1990, a Liga Nacional para a Democracia venceu majoritariamente o Partido da União Nacional, sucessor do antigo partido dos militares. Mas, os eleitos não puderam assumir. Em 1991, Aung San Suu Kyi recebeu o Prêmio Nobel da Paz. Seu marido e seu filho a representaram na Cerimônia em Oslo, na Noruega.

Apenas em 2011, o governo apoiado pelos militares passou a realizar uma série de reformas políticas e a Liga Nacional para a Democracia ganhou 41 das 44 vagas disputadas. Aung San Suu Kyi pode assumir um assento no Parlamento, que passou a funcionar em Naypyidaw, a nova capital do país desde 2005.

O golpe militar de 2021

Com a abertura política, Suu Kyi tornou-se a líder de fato do país, no cargo de Conselheira de Estado, mas grande parte do poder político permaneceu na mão das Forças Armadas de Myanmar.

Segundo a Constituição de 2008, aprovada durante o regime militar, 25% dos assentos no Parlamento de Myanmar são reservados para oficiais militares. Além disso, os Ministérios da Defesa e dos Assuntos Internos devem ser ocupados por militares da ativa. Os dois Vice-Presidentes também são indicados por militares.

Em novembro de 2020, a Liga Nacional para a Democracia, partido de Suu Kyi, venceu majoritariamente as eleições (mais de 80% das cadeiras). Os militares não aceitaram o péssimo desempenho do seu partido aliado e alegaram fraude nas eleições.

Em 1° de fevereiro de 2021, próximo à posse dos eleitos, os militares prenderam Suu Kyi e o Presidente da República, dando novamente um golpe militar e decretando estado de emergência no país com duração de 1 ano.

Por que eu digo Adeus a Myanmar?

Família de Myanmar na Shwedagon Pagoda
Família birmanesa na Shwedagon Pagoda, Yangon

Por mais que eu queira conhecer outras cidades do país, tenho que admitir que não é uma época boa para voltar a Myanmar. Talvez demore décadas até que possamos viajar tranquilamente para lá.

O que se pode observar ao longo da história contemporânea é que, após rupturas institucionais, segue-se um período de restrições, conflitos e perseguições a opositores. Os opositores são frequentemente rotulados pelo governo na tentativa de justificar as suas ações ou de obter maior adesão social.

A perseguição estende-se a todos aqueles vistos pelos novos dirigentes como “ameaça” ao seu poder, o que pode incluir intelectuais, agentes da sociedade civil e estrangeiros. Mesmo quem apoiou o governo no início, caso deixe de apoiá-lo no futuro, também estará sujeito à persecução do regime.

Decretar estado de emergência facilita tudo isso. Dá um suposto respaldo legal para que o governo possa limitar os direitos individuais e realizar prisões arbitrárias. A junta militar bloqueou a internet e os serviços de telefonia. Os caixas automáticos (ATMs) também foram afetados. Além da líder Aung San Suu Kyi, também foi preso Sean Turnell, seu assessor econômico de nacionalidade australiana. Toque de recolher foi imposto em 90 favelas (townships) em 30 cidades. Seus residentes também foram proibidos de se reunir em público em grupos de mais de cinco pessoas.

A população, já acostumada com a democracia, saiu às ruas de forma pacífica, mas desafiando o governo. Conflitos são esperados. Os militares  ameaçam atirar nos manifestantes que não se dispersarem. Mya Thwate Thwate Khaing, uma jovem de 20 anos, foi a primeira vítima. Funcionária de uma mercearia, a garota foi baleada na cabeça durante uma manifestação no dia 9 de fevereiro.

A Comunidade Internacional condenou o golpe e os Estados Unidos adotaram sanções contra os militares golpistas. Entretanto, apesar desse repúdio internacional, não se sabe como a situação no país vai evoluir, mas é possível que os conflitos se transformem em uma guerra civil, especialmente, se as forças policiais aderirem ao movimento popular.

Muito já se discutiu sobre os fatores que levam à democratização de um país: fatores econômicos, culturais, urbanização, educação e até intervenção externa. O fato é que as transições para a democracia costumam ser lentas, violentas e, muitas vezes, estão sujeitas a retrocessos.

Estamos no início de um período de fechamento político e o mais provável é que os militares só deixem o poder em Myanmar após muitos anos de desgaste e após muita pressão internacional.

Mesmo que seja possível viajar para lá antes disso, não vai ser uma viagem tranquila. A propósito, um colega que visitou Myanmar em 2004 me relatou que não era possível usar cartões de crédito ou ATMs devido aos embargos internacionais. Havia, ainda, áreas interditadas aos turistas e sempre o risco de estar sendo monitorado pela polícia secreta. O fato é que hotéis e companhias aéreas eram exploradas pelos militares. Viajar para lá significava alimentar ainda mais aquele regime.

Lições de Myanmar

Artistas sobre um Caminhão em Yangon, Myanmar
Artistas sobre um Caminhão em Yangon, Myanmar

Nós, turistas e cidadãos, podemos tirar uma série de lições com a situação ocorrida em Myanmar. A primeira delas é visitar um país sempre que este se abrir ao mundo. Nunca se sabe quando ele poderá voltar a se fechar.

Durante a visita ao país, não se envolva em assuntos políticos e respeite as leis e os costumes locais.

Visite um país por vez e conheça o máximo que puder dele na sua viagem. Leia sobre sua história, sua cultura e, se possível, aprenda um pouco sobre a língua local.


Confira 11 dicas para maximizar a sua experiência de viagem!


E a maior lição que fica é que a Democracia é uma construção diária. Parafraseando Edmund Burke: “quem não conhece a história dos outros povos, também estará condenado a repeti-la”.

Senhor nos Cumprimentando em Yangon, Myanmar
Senhor nos Cumprimentando em Yangon

Sinto muito por Myanmar. Espero que esteja errado e que não seja um “adeus”, mas apenas um “até breve”.


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